quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Crônica Do "Futebol Nosso De Cada Dia"


O futebol é mesmo algo incrível. Meu pai nunca gostou muito deste esporte. Sempre se professou palmeirense, mas nunca o vi praticar esta profissão; vez ou outra comentava um resultado, o destes jogos que são anunciados com grande antecedência devido a sua importância decisiva; noutras vezes era a copa do mundo que ganhava atenção em minha casa. Lembro-me da copa de 82 nitidamente. Não houve quem não chorasse em minha casa ao ver a Itália de Paulo Rossi derrotar a maravilhosa seleção do maestro Telê Santana (que Deus o tenha em bom lugar) e Zico (o maior craque que vi jogar; um infortunado da bola por não ter conseguido vencer uma copa, ou duas como seu contemporâneo Maradona). Mas torcer, sofrer, sorrir e chorar a cada quatro anos por futebol era muito pouco para se dizer um apaixonado pelo esporte.
Assim, cresci dentro de casa, por vezes ia para casa de minha avó, e assim não tive contato “verdadeiro” com o mundo do futebol até os nove anos de idade. Foi quando nos mudamos para uma rua que tinha garotos feito ratos. Era impressionante! No período da tarde, quando os garotos haviam retornado do colégio, a rua fica infestada de moleques correndo atrás da bola, gritando palavrões e comemorando dribles e gols. Tinha até goleiro com luvas!
Logo que cheguei ao local, alguns garotos me convidaram para jogar, porém, eu nunca havia chutado uma bola que não fosse de plástico, e as bolas de “cubertão”, como diziam ao referirem-se as bolas de couro costuradas, eram pesadas demais para minhas pernas débeis e meu pé duro e plano; além do mais, minha mãe não aprovava que eu ficasse na rua com aqueles “moleques rueiros”, como ela sempre dizia.
Com isso eu me sentia meio que de vidro, porcelana, ou qualquer coisa frágil e quebrável; aquilo era horrível. Eu sempre soube que não era frágil, mas havia uma política em casa a qual obrigava o menino a desempenhar tarefas domésticas – uma ligeira exploração do trabalho infantil embasada no que dizia que era importante o menino saber fazer de tudo nesta vida (até hoje não vi utilidade para estes aprendizados; limpar um chão, arrumar uma cama e lavar uma louça são coisas a que se pode aprender em qualquer tarde ou manhã destas da vida, em qualquer idade; mas vá lá, já passou e não me matou).
Para piorar as coisas, a família que morava na casa defronte para a nossa era uma família tradicional em colocar os moleques nos afazeres domésticos; já havia quatro gerações que a mãe os colocava nas tarefas do lar sob uma disciplina digna de uma ditadura (os moleques até enceravam o chão e a casa era um brinco de tão limpa e organizada). Toda vez que eu argumentava que aquilo não era serviço para meninos, imediatamente minha mãe disparava o exemplo dos vizinhos. Acho que todas as mães usavam aquele argumento como forma de impor os serviços domésticos aos moleques, afinal, vez ou outra aparecia um com a vassoura em punho (no entanto os outros acabavam dando um jeito de escapar para a rua; talvez tivessem um apoio mais forte em casa, algo como um pai fanático por futebol).
Mas eu ia ali, levando a vidinha; com uma vassoura em punho a varrer o chão e com um olhar longo para a liberdade dos moleques que corriam em tropel atrás da bola.

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